[vc_row][vc_column][vc_column_text]Pelotas Por aí – Não, não é uma calcinha é um novo tipo de lixo que tenho encontrado pelas ruas de Pelotas ![/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_single_image image=”20152″ title=”Pelotas Por aí – Não é Calcinha”][/vc_column][/vc_row]
Categoria: Olhares do cotidiano
Olhares
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Pérola do Dia: Bukowski
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Quando o direito de Ser e Estar é negado:Brasil–País Campeão de Crimes Transfóbicos
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Vagner de Souza Vargas
Algum de vocês já pensou que duas das traduções do verbo inglês to be podem ser exclusivas para apenas uma parcela da população? Ser e/ou Estar nem sempre são concedidos a todos que vivem no Brasil.
Muitas pessoas que habitam esse país acreditam que podem determinar o direito de Existir de todos os demais. Vou deixar esses verbos aqui para que vocês reflitam sobre as significações deles de maneira ampliada, enquanto conto a história que me levou a escrever esse texto.
Em 2015, a equipe de O Fio da Navalha[1] me convidou para participar do filme “Pedro”, uma livre adaptação, baseada no livro “O Rei de Havana (1999)”, do escritor cubano Pedro Juan Gutiérrez, a ser filmado totalmente na cidade de Pelotas/RS. O desafio me pareceu muito instigante, uma vez que exigiria grande caracterização para fazer uma personagem como eu ainda não havia experimentado no cinema, nem em outras linguagens artísticas.
Mal começava o ano de 2016 e foram-se 9 Kg a menos, em 10 dias, mantidos por quase dois meses. A caracterização e a ajuda na criação da personagem, feitas pela atriz Márcia Monks e as mãos do artista da maquiagem Paulo Vargas me deixaram com a aparência da personagem Sandra nesse filme. Toda a equipe de O Fio da Navalha, o diretor/roteirista Luis Fabiano, a Produtora Carla Ávila, o preparador de atores Flávio Dornelles, o ator e colega de todas as cenas em que participo no filme, Hélcio Fernandes, assim como o restante da equipe que participou dos ensaios e laboratórios de preparação para as filmagens, trabalhou em conjunto para que não apenas a aparência da personagem da história ficasse verossímil ao contexto, mas que suas subjetividades também pudessem envolver os espectadores, tornando-a humana e viva em um universo comumente silenciado pela sociedade.
Quem sobreviveu até agora nesse texto, em tempos de twitter e tutoriais no youtube (nos quais não precisa ler nada, basta escutar o que lhe dizem), deve estar se perguntando o que isso tudo tem a ver com o título exposto acima? Será que logo abaixo vem um discurso teórico e acadêmico sobre conceitos e políticas sociais? Infelizmente – e neste caso digo infelizmente – não tratarei de discussões teórico-conceituais aqui, pois a realidade bateu mais forte a nossa porta e é preciso que se exponham os fatos para que todos façam as reflexões por si só. Porém, a cada parágrafo desse texto, não se esqueçam de continuar com aqueles verbos em sua cabeça.
Era noite de 26 de fevereiro de 2016, já entrando a madrugada, após uma forte chuva, quando fomos filmar algumas cenas externas, em frente à Estação Férrea. A equipe estava toda posicionada, ajustando os equipamentos, em um local próximo à escadaria que leva ao cruzamento para o Bairro Simões Lopes. A Brigada Militar e a Guarda Municipal ficaram um pouco mais afastados, do outro lado, dando um suporte de segurança às filmagens. Para a cena, eu deveria ficar um pouco mais ao centro da Estação Férrea, pois a personagem se deslocaria até um local próximo à escadaria, onde estava o personagem Pedro, interpretado pelo ator Hélcio Fernandes e, então, aconteceria o desenrolar da filmagem.
Ali estava eu parado em frente ao local, prestando atenção no diretor e me posicionando para ajustar o foco e a luz. Meu olhar e minha total atenção estavam direcionados às instruções que recebia para a câmera. Ah, me esqueci de explicitar uma coisa: eu estava com toda a caracterização da personagem Sandra, uma travesti que se prostitui para sobreviver em um lugar onde não lhe restam outras alternativas.
Como estávamos filmando uma cena externa, sabemos que, caso não se isole a área, a vida da cidade segue naturalmente o seu curso, fazendo parte do contexto e, também, interferindo em nosso trabalho. A Estação Férrea fica em um local onde a rua termina, não existem ruas laterais àquela parte onde estávamos. Cito isso, pois, para quem viesse ou olhasse do acesso da rua que desemboca naquele local, apenas conseguiria me enxergar em frente à Estação, já que essa parte ao centro fica mais visível a quem passa por lá.
Para os atores, filmar cenas externas é sempre complicado, uma vez que, além de terem que manter a concentração fragmentada pelas necessidades técnicas da linguagem cinematográfica, precisam se abster das interferências que a movimentação da cidade pode provocar. Nesse sentido, enquanto estava concentrado nas marcações que estava recebendo do diretor, percebi que um carro em alta velocidade freou bruscamente perto de mim e alguém desceu. Mas, isso poderia ser apenas mais um curioso vindo assistir à filmagem, o que é comum em captação de cenas externas, conforme referi anteriormente. Não prestei atenção.
No entanto, comecei a perceber que ele estava falando muito alto, esbravejando alguma coisa e as pessoas da equipe iam até ele para conversar. Foi quando percebi que passou correndo rapidamente um segurança responsável por algum local nas redondezas. Olho para o lado e vejo que o carro em questão tinha um símbolo de uma empresa de segurança privada. Ainda sem me dar conta do que estava acontecendo, vejo que o rapaz exaltado esticou a mão em direção à boca da produtora, como se a mandasse parar de falar. Outra pessoa da equipe, também mulher, tentou conversar com ele e o rapaz se virou de costas bruscamente, sem lhe dar ouvidos. Quando o segurança do local o interpela, começaram a conversar. Ou seja, quando chegou um outro homem, o rapaz exaltado começou a dialogar.
Do que observei naquele momento, este rapaz estava enfurecido com alguma coisa. Cheguei até a pensar que ele havia se indignado por estarmos filmando próximos a um prédio tombado pelo patrimônio histórico. Mas, a produção do filme tinha todas as autorizações e burocracias para tanto, apesar de não estarmos nem encostando no tal prédio. Então, não era esse o problema.
Mas, a maneira rude com que ele se negou a conversar com as mulheres já havia me deixado um pouco incomodado. Neste momento, toda a equipe parou os trabalhos para resolver a situação. Ainda sem compreender direito o porquê de tanta revolta dele, observei que a equipe e o segurança do local o encaminharam para os policiais que ali estavam dando suporte. O carro de deslocou em alta velocidade até os policiais. O rapaz desceu enfurecido, indo questioná-los, indignadamente, sobre o fato de eles permitirem que uma travesti estivesse naquele local.
Sim! A indignação dessa pessoa era pelo fato de ele achar que havia uma travesti parada naquele local!
Nesse caso, a travesti era eu.
Talvez, esse tenha sido o fato que me fez demorar a perceber que toda aquela violência era contra a minha pessoa, já que sou apenas um ator e, naquele dia, estava interpretando uma personagem que é travesti. O que a percepção disso me provocou não importa nesse momento, pois precisamos refletir sobre algo muito maior que a minha situação: A TRANSFOBIA!
O fato de este rapaz se negar – de maneira agressiva – a conversar com as mulheres que estavam tentando explicar-lhe de que se tratava de uma filmagem, já nos salienta a forte impregnação misógina no caráter dessa pessoa. Por ser homem, alto e forte, fez questão de deixar claro pelo seu comportamento que não aceitaria conversar com as mulheres, podendo até usar de sua força física contra elas. Isso ficou claro e evidente. Esse tipo de atitude costuma se mascarar em sociedade, sendo, muitas vezes, estimulado e originado desde à infância, quando se estimula a valorização da exacerbação de masculinidade como um troféu social. Troféu este que valoriza mais a criação de “machos” do que homens, sendo os primeiros seres movidos pelos seus sentidos de agressividade, respaldados pela força física, em relação ao sexo oposto, impondo suas determinações às mulheres pelo uso da violência física, moral e/ou emocional. Os “machos” da sociedade atual, ao não disporem de uma formação reflexiva e de um repertório crítico em relação aos fatos que lhe rodeiam, tendem a super valorizar a imposição da força física como mecanismo de legitimação de suas normas, suas determinações, suas ideias, ignorando quaisquer tipos de liberdades, respeitos e características da natureza de seu próximo.
Um pouco mais além da misoginia – e ainda não fora dela – existe o ódio e a intolerância aos transgêneros, a TRANSFOBIA e a TRANSMISOGINIA. Para aqueles que não sabem, de maneira simplista e direta, transgêneros são seres humanos que não se identificam com as associações e normatizações de comportamento de gênero ligadas diretamente a sua genitália. Sendo mais explícito, transgêneros são seres humanos que não se identificam no modo de viver, de se comportar, de se expressar, de se relacionar, de ser conforme a sociedade estipula que, por exemplo, um homem (nasceu com a genitália associada aos cromossomos XY) seja masculino (gênero) e, de mesmo modo, que uma mulher (nasceu com a genitália associada aos cromossomos XX) seja feminina (gênero).
Percebam que, até agora, não falei de sexualidades, pois essas, em suas múltiplas manifestações e nuances, não precisam estar associadas ao sexo e ao gênero dos indivíduos. Estamos em pleno século XXI, momento histórico em que todas as ciências sociais e humanas avançaram muito no conhecimento e divulgação científica sobre o assunto. Independentemente das crenças religiosas, falta de estudos, ignorância de conhecimentos científicos, nem todos são alienados à percepção de que se encontram em um determinado período resultante da evolução de um processo histórico.
Os acontecimentos pretéritos de nossa história mundial documentam, de maneira bem clara, no que resultam os comportamentos de ódio, intolerância, discriminação, preconceitos, segregação e outras maneiras de se desrespeitar as características de natureza e comportamento do próximo. Porém, mesmo em face da percepção dos erros de outrora a que a humanidade esteve envolvida, na contemporaneidade, o desrespeito ao próximo parece crescer em progressão geométrica.
Até o dia em que estávamos filmando, já haviam sido assassinadas cerca de 60 travestis, transexuais ou transgêneros no Brasil[2]. Isso significa que, até aquela data, ocorreu cerca de 1 assassinato de travestis, transexuais e transgêneros por dia nesse país. Antes que alguém que esteja lendo – e que o seu ímpeto à deslegitimação de quaisquer argumentos que demonstrem que os Crimes Transfóbicos no Brasil sejam explicitados – explico que a referência pelo site que se destina a divulgar essas informações pode não ser de um órgão oficial do Governo, nem daquelas fontes que aparecem como “legitimadoras” nos estudos científicos. Porém, em um país que não considera crimes contra Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Transgêneros, Queers e Intersexuais (LGBTTTQI) em sua Legislação como necessários de especificação, ou que, quando ocorrem, nem os registros policiais referem que as vítimas não são heterossexuais, como esperar que dados “oficiais” do Governo retratem uma realidade de violência e discriminação contra LGBTTTQIs no Brasil? Como esperar que uma mídia compactuadora com os silenciamentos de outras formas de existência dê espaço e divulgação para a gravidade desses acontecimentos?
Criar instrumentos Legais que determinem a especificação de tais crimes retratará oficialmente para a mídia mundial uma realidade que os LGBTTTQIs enfrentam diariamente no Brasil, veracidade essa dos fatos que o Governo Brasileiro tenta esconder do resto do mundo. Além disso, registros de tais crimes contra essas pessoas também dependem do que é reportado pelas autoridades e, aí, mais uma vez, se fica à mercê do que os princípios éticos de tais profissionais se lhes impõem na hora de efetuar tais registros: estariam aí as atividades em acordo com as determinações Legais e éticas, ou seguindo suas crenças religiosas, preconceitos, intolerâncias e desrespeitos pessoais para com os próximos, silenciando os diversos tipos de violência que determinadas pessoas da sociedade sofrem diariamente?
Muitas vezes, nem os femininicídios são registrados nos órgãos oficiais brasileiros, pelos mesmos motivos de misoginia, sexismo e preconceito. No caso de transgêneros, a transmisoginia emerge violentamente, pois, além da ojeriza ao gênero feminino, se agrega a intolerância à diferença de gêneros, sexualidades e, nesse caso, aos transgêneros. No fundo dos não-registros oficiais de crimes contra LGBTTTQIs, estão argumentos que tentam mascarar o ódio, o desrespeito e a intolerância a todo e quaisquer seres humanos que não se configuram dentro das determinações e normatizações a que a sociedade heterossexual, cristã e caucasiana determinou como sendo únicas possibilidades de existência. Ao não se registrar tais crimes, se tenta dizer que tais violências não existem, de mesmo modo, como se esses seres humanos não existissem, não tivessem a liberdade e o livre arbítrio de Serem e Viverem conforme suas naturezas lhes aprouvêm.
Nesse sentido, todo e qualquer argumento será usado contra fontes de referência “não oficiais” que se dedicam a buscar reunir e divulgar tais informações. Essas fontes serão “não oficiais” enquanto não forem legitimadas pelos nossos governantes. Entretanto, os diversos sites, Organizações Não Governamentais (ONGs) e associações que lutam pelos direitos a todas as diversidades e, também, pela equidade Legal dos LGBTTTQIs se espalham pelo país na tentativa de reunir e divulgar informações sobre as diferentes formas de violência a que essas pessoas estão submetidas diariamente no Brasil. No caso desse texto, referenciei o site exposto anteriormente, não para colocá-lo como um referencial à frente dos demais, mas, apenas por conter as informações explícitas que eu desejava expor nesse texto aqui. Apesar da seriedade e esforço de todos os grupos, blogs¸ sites¸ vlogs e ONGs, em buscar divulgar tais informações, mesmo assim, seus registros poderão ainda ser/estarem subestimados, já que a realidade pode ser bem pior do que seus esforços em reunir tais dados, divulgá-los e alcançar a realidade territorial de um país do tamanho do Brasil. Isso não deslegitima tais fontes de informação, muito pelo contrário, reforça a triste realidade de que os Crimes Transfóbicos no Brasil podem ainda ser maiores do que se tem alcance atualmente para divulgá-los/identifica-los.
Enquanto não houver uma legislação que oficialize e torne obrigatório o registro de tais crimes, a divulgação de seus dados ainda estará muito inferior ao tamanho da violência a que essas pessoas são vitimadas diariamente nesta Nação. Porém, devemos, sim, divulgar e buscar essas informações em tais fontes de registros “não oficiais”, pois, estas, além de cumprirem um importante papel em chamar a atenção da sociedade para a violência que se está impondo a alguns seres humanos, também são estratégias de resistência e luta contra toda e qualquer tipo de forma de silenciamento, sufocamento e aniquilação das liberdades de SER, ESTAR e EXISTIR nesse mundo.
No final do ano de 2015, na cidade de Pelotas/RS, a travesti Brenda Lee foi brutalmente assassinada em sua residência. O crime teve grande repercussão local. Brenda Lee era uma figura conhecida na cidade, devido a sua militância pelos direitos LGBTTTQIs e pelas suas tentativas de incursão na carreira política. O crime aconteceu, quando Brenda estava nas vésperas de colar grau na Faculdade de Psicologia, na Universidade Católica de Pelotas. Rapidamente, a polícia encontrou o rapaz que cometeu tal crime. Apesar de o rapaz ter confessado o crime, que a assassinou a golpes com uma cadeira, furtou o carro, dinheiro e alguns objetos da vítima, em poucos dias após à prisão, um juiz local o liberou, pois não considerava que ele oferecia perigo à sociedade. Uma pessoa que comete um crime, confessa que realmente o fez de maneira brutal e, mesmo assim, não oferece risco à sociedade? Se esse crime fosse cometido contra uma pessoa cis gênero e heterossexual, será que esse rapaz seria solto da mesma maneira e com as mesmas justificativas? Não sei quais motivos, justificativas, razões e/ou aspectos das Leis levaram o tal juiz a determinar a soltura desse rapaz. Mas, este tipo de situação pode nos servir de exemplo sobre como são tratados os Crimes Transfóbicos no Brasil.
Agora, voltando ao caso específico dessa filmagem. A minha perspectiva de análise da situação e da vivência da transfobia e da transmisoginia me permitiram sentir na pele apenas um pouquinho do horror que a sociedade vitima essas pessoas. Apesar de ser um ator cis gênero, a partir do momento em que minha caracterização transpareceu com verossimilhança que eu seria uma pessoa transgênero, o tal rapaz sentiu a liberdade de, sem saber do que se tratava a minha permanência naquele local ou de quem eu era, vir e tentar me agredir. No meu caso, eu estava em uma condição privilegiada, pois haviam seguranças, policiais e uma equipe de filmagem para me defender, além do fato de, na realidade, não ser um transgênero, o que poderia resultar em uma declinação por parte deste rapaz em levar a agressão à diante.
Mas, quando se tratam de seres humanos realmente transgêneros, como se dão esses momentos?
Como a sociedade reage a um transgênero?
Como os homens, com exacerbada masculinidade, como no caso deste rapaz, reagem aos transgêneros quando as luzes da cidade estão acesas? E quando não estão acesas?
Quais motivos levam uma pessoa a se dirigir de maneira violenta contra travestis, transexuais ou transgêneros?
Quem desconhecia a existência de uma filmagem naquele local, de longe, possivelmente, enxergaria uma travesti parada naquele local. Mas, por que uma travesti não poderia estar naquele local?
Por que aquela pessoa não poderia ser travesti?
Já pararam para pensar nisso tudo?
Já conseguiram refletir, pelo menos um pouco, até este momento do texto, sobre todas as violações de existência a que algumas pessoas da sociedade impõem sobre quem lhes é diferente?
Torno a dizer que apesar de quase ter sido agredido, eu estava protegido naquela situação. No entanto, o que teria acontecido se fosse realmente uma travesti que estivesse parada naquele local ermo à noite?
Estaria ela viva enquanto este texto é lido?
Por que algumas pessoas da sociedade determinam que travestis, transexuais e transgêneros não podem SER, ESTAR e EXISTIR conforme o seu livre arbítrio lhes permite que vivam de acordo com a sua natureza?
No início desse texto, informei que minha personagem era uma prostituta. No livro que deu origem ao roteiro do filme “Pedro”, fica bem retratado o contexto de vida desta personagem. Refiro isso, pois o fato de uma pessoa se direcionar à prostituição também costuma ser utilizado como argumento de ataque à existência de tais seres humanos. Mas, quando vamos um pouco mais além na reflexão sobre as diferentes formas de violência a que a sociedade impõe a essas pessoas, chegamos à constatação de que a prostituição também resulta de um processo de segregação profissional imposto pela sociedade preconceituosa em não permitir que essas pessoas tenham outras oportunidades na vida, já que as suas identidades de existência vão de encontro aos estabelecimentos heteronormatizados, hipócritas, falso moralistas e/ou de extremistas religiosos.
Obviamente que não podemos ser alienados e silenciadores de outras possibilidades de existência ao pensarmos que todas as travestis, transexuais e transgêneros são levadas(os) à prostituição. Felizmente, hoje em dia, os avanços científicos já chegam ao conhecimento de algumas famílias que compreendem a diversidade de formas de existências humanas, assim como de – poucas – estratégias governamentais e não-governamentais em possibilitar oportunidades e acesso dessas pessoas à educação, trabalho, profissão e etc. Mas, há que se olhar para a prostituição com olhos outros, sabendo-se que aquelas pessoas ali são vítimas de uma sociedade preconceituosa, discriminadora e segregadora de oportunidades àqueles que não se enquadram nas características de existência e comportamento que esta mesma sociedade impõe como regras e únicas normas aceitáveis de existência segundo suas concepções.
Travestis, transexuais e transgêneros têm direito à educação, a possibilidades profissionais e a existirem conforme SÃO! Mas, por que algumas pessoas insistem em não lhes permitir isso?
Algum de vocês já pensou em dar uma oportunidade profissional a uma travesti, transexual ou transgênero?
Quantos de vocês conhecem alguém que já o fez?
Por quais motivos a sociedade não o faz?
Acima de tudo, a transfobia é um ato covarde, advindo de pessoas que, ao não respeitarem outras formas de existência, acreditam que devem eliminar da sociedade todo aquele que lhe é diferente, livre e, acima de tudo, feliz em ser quem é. No fundo, no fundo, todo transfóbico é infeliz! Todo preconceituoso é um infeliz por natureza, pois, ao perceber que o mundo possui muitas nuances de ser, estar, existir, amar e viver, não consegue se compreender nesse mundo onde as diferenças possam representar, justamente, os muitos matizes que se congregam para formar o que se chama de felicidade.
Apesar de sabermos que todo transfóbico e toda pessoa que discrimina o direito de existência do seu próximo necessite de nossa compaixão, não podemos repousar nessa percepção o comodismo de não exigirmos uma Legislação que os criminalize, pois, somente assim, realmente aprenderão alguma coisa. Mas, para além disso, já está mais do que na hora de as pessoas acordarem para o horror e a violência de que seus atos discriminatórios apenas tornam esse mundo mais infeliz. Todo transfóbico, todo misógino, todo transmisógino, todo sexista, todo homofóbico, todo lesbofóbico, todo preconceituoso, enfim, toda pessoa que discrimina outro ser humano, além de estar expressando a sua profunda infelicidade, está tornando o mundo mais violento. Esses são os verdadeiros disseminadores da violência social a que tantos reclamam e se lamentam diariamente. Se a realidade contemporânea não goza de sua felicidade plena, isso se deve às práticas e comportamentos dos preconceituosos e discriminadores. Se o mundo não é feliz, se ainda vivemos tempos violentos, uma parcela muito importante disso tudo pertence a quem dissemina preconceitos, a quem discrimina, a quem desrespeita o direito do próximo em viver e ser feliz como deseja ser, conforme sua natureza o fez.
Certamente, uma das maiores vergonhas do Brasil consiste em ser o país campeão mundial em crimes transfóbicos. Será que essa realidade não pode mudar? Será que os preconceituosos e discriminadores não podem aprender com a evolução histórica do mundo? O que falta no coração dos transfóbicos para que possam ser felizes e deixar que o seu próximo também o seja?
Talvez, o caminho para essas respostas ainda seja longo. Mas, não podemos nos calar quando presenciamos comentários, atos e atitudes discriminatórios, pois, se assim o fizermos, estaremos alimentando a violência social, segregadora e castradora do direito de ser, existir e estar de nosso próximo.
Eu, um ator cis gênero, pude vislumbrar um pouco da violência a que as travestis, transexuais e transgêneros estão expostas diariamente. No livro do autor cubano que deu origem ao filme “Pedro”, a personagem Sandra é mais uma vítima da violência social. O que Sandra busca? Apenas amar, ser amada, ser quem é, ser feliz. O mais difícil para quem cria uma máscara de resistência a tanta violência social é justamente saber que poucos são os que se dispõem a enxergar sua essência, sua alma, sua real identidade de existência. Desnudar sua alma, compreende o mais difícil ato de expor suas fragilidades, se retirar as cascas, as defesas que protegem das violências sociais. Mas, tudo isso demonstra apenas um medo em desejar que alguém enxergue para além das máscaras sociais, além da imagem a que a discriminação social lhe imprime como rótulo, para única e simplesmente lhe amar. Amar e ser amada(o). Parece algo tão simples. Amar e ser amada(o). Até quando a sociedade continuará impedindo que Sandras, Brendas, Vanessas, Priscilas, Cláudias, Rebecas, Penélopes ou quaisquer nomes que venham a ter, possam viver conforme a natureza lhes fez? Até quando serão privadas de amar e serem amadas por serem quem são?
Sei que esse texto ficou muito grande e cansativo para quem navega pela internet. Mas, o tamanho dele ainda é pouco para se abordar, mesmo que de maneira rasa, as formas de transfobia existentes no Brasil. Mas, realmente, espero que após ler isso aqui, vocês possam refletir, pelo menos um pouco, sobre como lidam com as diferenças em suas vidas, sobre como vocês interferem na liberdade de felicidade do seu próximo, na liberdade de existência dos demais em sociedade. Ao rapaz que tentou agredir quem ele pensava ser uma travesti parada em um local ermo em uma noite da cidade de Pelotas, espero, do fundo do coração, que um dia ele encontre felicidade em sua vida e saia desse lodo de ignorância e preconceito, para que nunca mais tente interferir no direito de ir e vir de qualquer cidadã(ão) nesse mundo.
Às muitas Sandras desse país, eu peço desculpas por existirem pessoas como esse rapaz, como os muitos transfóbicos e transmisóginos que lhes oprimem e violentam diariamente. A todas vocês, travestis, transexuais e transgêneros eu deixo o meu sincero respeito pela coragem de mostrarem que o mundo possui muitas nuances de existência, de diferenças e que, justamente isso, nos tornará mais felizes no futuro. Jamais permitam que suas vozes sejam silenciadas, que suas existências sejam negadas! Resistam! Amem! Vivam! Tenham orgulho de serem quem são! Tenham orgulho de lutarem para serem quem vocês realmente são! E, acima de tudo, não tenham medo de ser felizes! Vocês não estão a sós!
[1] https://www.ofiodanavalha.com.br/ – https://www.facebook.com/fiodanavalha.fiodanavalha
[2] Informação disponível no site: https://homofobiamata.wordpress.com/[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]
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Pelotas Cultural?Dê que cultura estamos falando?
[vc_row][vc_column][vc_column_text]Ontem sentindo um pouco dos Blocos Burlesco da cidade, fica aquela reflexão: a classe popular da cidade gosta e vive o carnaval de rua, e as elites segregadas em si, sempre gostaram de se fechar nos salões. E assim o poder público não investe naquilo que o povo, a cultura popular, a classe trabalhadora diz que é importante para si, e se investe é o mínimo dos mínimos.
Mascaram-se interesses coletivos, dizendo que a verba será destinada à educação e saúde e tal…. Mas sabemos como é a não-importância e o tipo de tratamento que esses governos neoliberais tem com a educação, e não vai ser a verba de uma festa popular que resolverá esses problemas estruturais da educação em nossa cidade em nosso país. Pensem… quem ganha com um povo letrado e crítico?
Quem ganha com um ensino básico que não consegue muitas vezes chegar a média 4.0? E sobre essa falácia de Carnaval X Educação/saúde: O piso nacional do magistério foi pago aos professores da rede municipal de ensino? E o mais triste é que nessa política neoliberal o gosto, o bem-estar popular não conta, para eles somos apenas braços à serem explorados, somos números e votos de 2 em 2 anos.
Respeito quem não gosta de carnaval. Contudo temos um dever com a tradição de muitos que abraçam esta festa popular e familiar e podemos também aqui incluir como uma festa em que a maioria da população que a usufrui é negra.
Então pergunto: Como pensar em cultura sem pensar numa organização mais complexa como um carnaval concurso que incentive as organizações carnavalescas locais? O carnaval popular é uma tradição viva de Pelotas, uma tradição da classe trabalhadora, e muitas vezes a expressão / denúncia em forma de arte, como ontem no carro que pedia Justiça ao homicídio da grandiosa Brenda Lee Di Fourton e dos inúmeros “Fora Temer”, denunciando o golpe dado à democracia.
E nessa escolha de qual cultura a se preservar e financiar, se vão “Sete anos sem Sete”. O carnaval da classe popular denuncia em forma de arte, arte que faz o povo refletir, pode ser de leve, mas com certeza ocorre uma reflexão. E não é isso que esses governos neoliberais querem, para eles basta sermos adestrados com aquela caixinha preta de canal aberto que manipula constantemente dizendo o que devemos escutar, vestir, sentir e votar….
Carla Avila – Cientista Social
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Pressupostos filosóficos e sociológicos do curta-metragem-“O Fio da Navalha”
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Pressupostos filosóficos e sociológicos do curta-metragem
“O Fio da Navalha”
Carla Silva de Avila
Ao acompanhar o processo de produção do curta-metragem[1] realizado pela produtora de cinema Pelotense Bah Filmes, percebe-se uma série de elementos que permitem pensar diversas questões sociológicas e filosóficas que permeiam a realidade social do homem na modernidade e na pós-modernidade.
Da modernidade, do homem pós- moderno…
Parte-se do princípio que a modernidade foi um projeto de organização mundial fundada a partir de uma série de mudanças ocorridas na Europa no início do século XIX e se consolida com o modo de produção capitalista até a atualidade.
Uma filosofia de vida que é centrada no processo de individualização do ser social, focando-se na predominância das características individuais sobre os aspectos coletivos da sociedade. Além dessa premissa de individualização, o projeto da modernidade ateve-se na incorporação de valores capitalistas que através de diferentes ferramentas, põe em cheque vários valores e pilares que constitui a solidez de uma vida em sociedade, como a amizade, a família, o casamento, a felicidade. É nessa confusão de paradigmas, nessa quebra de valores, nessa enorme confusão entre os valores tradicionais consolidados, e os valores desse projeto, que se percebe a narrativa do personagem do curta.
Zygmunt Bauman fala que essas transformações sociais, nos levam a viver num estado de ‘modernidade líquida’, ou seja, o que era dado como verdade, se liquefez nesse processo de individualização.
E é nesse processo de percepção desse real, na busca de uma felicidade que lhe foi imposta como verdade e nas desilusões, que o personagem demonstra enxergar esse real de uma forma nua e crua. Traçando uma série de conflitos internos, percebe que a vida não é como lhe contaram, não foi como lhe prometeram.
Do pessimismo de Shoppenhauer…
Outro aspecto apresentado na narrativa do personagem é que após a percepção desses elementos que compões sua realidade o personagem primeiramente cai num pessimismo em relação ao decorrer de sua existência. Para o filósofo Arthur Shoppenhauer, o que concebe a vida e os eventos da existência, são expressões diferentes da vontade individual, pois o mundo não passa de uma representação daquilo que chamamos de realidade. Sendo o homem é fruto de seu tempo, aquele que vê o mundo a sua volta como a representação de si mesmo. Shoppenhauer critica essa obrigação de ser feliz, pois para o autor o SER é a causa primeira do sofrimento, sendo assim a busca pela felicidade será algo falso, ou inalcançável. Outra faceta da existência é vontade como substância e essência do mundo, sendo que o querer e o desejar obrigam os seres humanos a existirem, sendo por fim todos os seres escravos da vontade.
Do niilismo de Nietzsche …
Outro fator notado na narrativa do personagem acaba superando o pessimismo de Shoppenhauer, caindo no niilismo de Nietzche. Para o alemão Friedrick Nietzche o termo niilismo se refere ao homem negador de valores, quando o mesmo encontra-se com as contradições da sociedade, e na falsidade contida nos ensinamentos cristãos. Niilismo como fruto de um processo de percepção ampla de uma realidade social que foi construída, causando uma desconfiança de tudo o que lhe rodeia. Niilismo também se apresenta como uma ausência de sentidos, no perceber que qualquer ação poderá ser em vão. Uma segunda etapa do niilismo é quando o homem consegue liberta-se dessas amarras e percebe-se como líder se si mesmo. Por fim passado desses dois estágios o homem percebe o mundo como uma ilusão, podendo ele criar suas seu mundo, ou negá-lo.
O personagem, a história, o cotidiano…
Por fim o curta “O Fio da Navalha” nos leva a refletir sobre nosso cotidiano, nossa realidade. Leva-nos a questionar elementos que estruturam nossa vida em sociedade, pondo em cheque valores o quais nos são socialmente impostos, que podem esvaziar o ser humano, que podem desfazer esse ser social. Ainda mais num período onde somos bombardeados por inverdades que nos alienam e nos levam a uma busca do nada e do tudo. Um tudo que pode ser comprado e um nada, que remete a uma completa ilusão. O curta nos trás um questionamento que poderá levar a uma mudança, a um novo recomeço, até mesmo a um novo texto. Ou simplesmente ao ponto final, ao término da história, a pura e consciente negação da existência.
Referências:
Obras consultadas:
O mundo como vontade e representação. Arthur Shoppenhauer
Jamais fomos modernos- Bruno Latour
“O Anticristo”, “Assim Falou Zaratustra”, “O Ecco Homo”, “Para Além do Bem e do Mal” - Friedrick Nietzche
Modernidade Líquida – Zigmunt Bauman
[1] Curta- metragem baseado no texto de Luís Fabiano, Portal: O Fio da Navalha.
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Abaixo fotos exclusivas do filme:
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13 de maio abolição sem liberdade
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13 de maio abolição sem liberdade
A discriminação racial funciona para os brancos como calçados que usam para correr contra negros descalços. Torna a corrida tranquila para os primeiros e extenuante para os últimos. (Rafael Guerreiro Osório, 2008)
Uma data forçada
Um acordo imposto
Uma realidade mantida
Uma desigualdade perpetuada
13 de maio uma assinatura que não muda a realidade
O início de uma corrida desleal,
Muitos são obrigados a correr descalços
E alguns são forçados a correr com suas pernas amarradas
A beleza foi transformada em estigma
Os deuses em demônios
Os costumes em folclore
E o 14 de maio?
O que fazer com essa liberdade?
O estudo não foi permitido, nem a posse de terra, nem o cultuar aos deuses
O que festejar?
Se constantemente além de deixá-los descalços
Sua voz ainda é abafada
Pela ignorância daqueles que não querem respeitar o diferente
Sua face ainda é ocultada
Pela arrogância daqueles que não querem olhar o passado
A arrogância que não deixar perceber que a sociedade, eu e você
Ainda os calamos
Não respeitamos o povo que realmente construir essa nação.
13 de maio a liberdade para correr descalço em uma longa estrada em busca da cidadania
* Fotografia de Pecacom, amigo e colaborador do Fio da Navalha.
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Assombrações contemporâneas
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Gosto muito do Baumam e sua modernidade líquida
A forma que ele descreve as relações de plástico na pós- modernidade
A maneira que algumas pessoas entram em nossas vidas
Como uma avalanche, sem pedir licença
Se tornam intimas,
Uma proximidade que assusta
Mas Cuidado!
Elas são capazes de dizer várias vezes “Eu te amo”,
E você por um instante até releva, mesmo soando tão falso
Isso faz lembrar do velho Bukowski: “que o amor é uma palavra dita muitas vezes cedo de mais”
Baumam e Bukowski estavam certo!
E esse amor de plástico com uma pitada do Senhor Tempo, se revela
É sintético
Falso
Nojento
E fica marcado na sua história
Quase como uma assombração.
Tu podes passar um tempo sem ver essa aberração da existência
Mas sua energia vital, que foi sugada por esse ser plastificado, está com ele, ou ela
Por fim aquele amor falso se transforma
Uma lembrança ruim
Que pode até te causar náuseas
É tudo de plástico
Raso
Desnecessário
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